sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Quanto ao pano dos confetes


Rompo estandarte na avenida
em dor
Sem céu, sem luz
sem sol, sem cor.
Carlos Lyra


Diante dos múltiplos erros, quem ganhou? Quem perdeu? Quantos curtos passos separam derrotados e vencedores?
Somos os mesmos, marchando sobre certezas fugazes, permitindo distâncias, lançando serpentinas surtivas no carnaval da solidão.
E as máscaras sempre caem.
Seu rosto se desfigura.

Eu parto.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Verde maresia




"Aqui está minha herança -

este mar solitário,

que de um lado era amor e,

do outro, esquecimento."

Celília Meireles



Emersa na inconstância das ondas, mar amigo, abrigo das minhas ilusões abatidas, eu observo sua indecisa solidão e, embalada por suas idas e vindas, vejo a estampa de florais berrantes do meu vestido esvoaçar entre devaneios e labirintos de ausência, escondendo os espinhos da rosa negra que se despetala sob minha pele.
Mar, extensão minha, desdobramento das minhas angústias, absorve meus silêncios nesse instante que é quase uma súplica, nesse segundo onde minha mudez é minha prece maior.
Mar sem limites, berço dos meus dramas, espectador dos meus naufrágios, acalente as palavras que sequer pronuncio, pois já não há tempo nem destino certo e as fotografias que prezo amarelam nas molduras de minha alma sob sopros de cansaço e mansas ternuras fracassadas.
Deglutindo vozes abafadas pelas incertezas que não ousei desfrutar, eu sigo e me permito sentir saudade do que não foi, mas ainda habita em mim. Amanheço. Agora, com libertador desassossego, desabrocho rosa vermelha, arqueada por ossos rijos, carne viva e fértil. Minhas veias tangem o sangue inerte dos desgastes inúteis, explodo em mil cores poentes enquanto venero os barcos atracados e os corais permanentemente imóveis.
Eu sigo, nau sem rota, e minhas bússolas desnorteadas me expõem às ilimitadas extensões inegáveis a serem desbravadas nas grutas do sem fim que se apoderam de mim.

Carine Mangueira

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Solstícios, bromélias e acenos



“Dura rosa de madeira que sou mas para me purificar há
o pungente miosótis chamado urgentement
e mas delicadamente de não-te-esqueças-de-mim.”
Clarice Lispector


Nos meus olhos não há súplicas. Não existem motivos para esperas.
Palavras tontas e aleatórias percorrem os caminhos disformes e abismos intransponíveis que separam nossos corpos e, como por mistério dos deuses que sequer venero, vedam nossa essência sedenta de dramas tenazes, espaços vãos, cânticos nefandos e recomeços.
Nenhum tempo foi perdido. Nenhuma dor é inválida.
Entre a penumbra do meu silêncio covarde e o reflexo das armaduras de vidro cortante que envolvem suas frases bem colocadas, há uma matéria imutável: nós. Matéria fluída e ferina, imensa, inominável. Ousar defini-la seria negar sua transitoriedade, blasfemar e sacrilejar o que há de mais puro em mim.
Eu permaneço à beira-mar, numa calmaria vespertina, de braços estendidos e firmes na certeza dos abraços, serenos e sem fim, reservados num porvir cada vez mais breve.
Sabendo que os erros do presente são o limiar de um futuro verde-broto sem fim, não me apodero de metáforas, quero palavras e sensações literais.
Possuir é perder-se do outro, desejar é tê-lo eternamente em mim, para mim.


sexta-feira, 15 de maio de 2009

Entre Vênus e Netuno


Ela era de libra, era balança universal, clamava por beleza, exaltava brevidades, conflitos, mortes, ressurreições.

Envolta de libidinosas e complexas obviedades, ela te diria, cordial e mansa: ‘Cuidado, meu bem, minha trama é indecifrável e a mim mesma confunde. Cautela, querido, ao pisar na minha estrada, ela é a teia da viúva negra que te alimenta, afaga e devora.’Olhares frios e fáceis já não a encurralavam.

Detestava reticências, continuidades furtivas, distanciamentos. Raivosas tempestades a ela pareciam sopros mornos e tediosos de um rei solitário em seu leito de morte.

Era iluminada por Santa Bárbara, era guiada pela senhora dos ventos e trovões, e nada impediria seu violento rio de lágrimas salubres de desaguar no mar da vitória.

Poucos, raros eram os capazes de não querê-la perto de si. Ela, que já estava amaciada pelas reincidentes quedas e fortalecida pela crença em si própria, não desejava ser problema nem solução. Almejava ser ela mesma, provocação mutante, grandiosa.

Compreendê-la era desafio constante e muitos, quiçá quase todos, eram incapazes de sentir, de enveredar por caminhos além-razão, ultrapassar sofismas inúteis e respeitar o fato do céu a que ela venerava não ser igual ao dos demais.

Tantos foram os tolos que apenas a julgaram e sentenciaram-na incontáveis vezes ao fogo perpétuo da intriga soez e da inveja voraz.

Ela nunca foi vítima, desistiu de ser algoz. Ela apenas caminhava.

Acostumou-se a sobreviver sem suas antigas munições e apetrechos decrépitos. Não necessitava mais de indulgência, abandonara a aldeia da insegurança e construíra um império internamente forte, sendo desnecessárias muralhas ou agressões. Sua honra era não mais viver na defensiva. Ofender perdeu o sentido, atacar resignificou-se. Ela apenas caminhava.

Quantos saberiam como sobreviveu aos longos e consecutivos segundos acumulados a que ela chamava de vida? Quantos jamais compreenderiam como seus pés exaustos suportaram sangrando as longas cruzadas profanas em que se envolveu?

Como absorver a essência de alguém que, como ela, cambaleou na corda trêmula entre razões vazias, pré-julgamentos e emoções avassaladoras, sem se embriagar?

Carregava seus muitos balangandãs e explicitava seu gosto pela grandeza. Não a grandeza de objetos apenas, nem tão somente gestos ou palavras ditas solenemente, mas o excesso de alma. Era amante do exagero sensível. Queria o muito, mas acima dele estava a verdade, a sua verdade extrema, quente, sentimental.

Em seu passado ficaram os pudores, a renúncia, a culpa. Seu presente era imponente, era ardência sem proporção, era universo sem fim... Não adiantava tentar apreendê-lo, estigmatizá-lo. Sua estória era atemporal, reciclável, tórrida, ilimitada.

segunda-feira, 13 de abril de 2009


Para amiga, confidente, insana e amada Viviane.



Ecce Homo
Sim, eu sei de onde venho!
Insatisfeito como o fogo
Ardo para me consumir.
Aquilo em que toco torna-se flama,
Em carvão aquilo que abandono:
Sou fogo, com certeza.
Friedrich Nietzsche



Amiga, estou estranha (você disse isso ontem, eu digo isso hoje. Repetiremos isso em quantos amanhãs? Até onde suportar a eternidade?).
Só escrevo, escrevo, escrevo e quando releio o que escrevi nada mais faz sentido, nem se ajusta, desmorona (o tudo que me consome ou o nada que não me consola. Não sei também. Ambos, creio eu) diante dos meus olhos, por entre meus dedos tortos.
Como se minha vida fosse um sempre e um talvez constantes, ilimitados, irreversíveis e, acima de tudo, em uma fuga ininterrupta de mim mesma, da minha própria compreensão. Como algo tão meu pode me ser tão alheio? Onde teve início minha segregação com minhas nuances sombrias?
Entende?
Diga que sim, amiga, que consegue apreender um pouco da minha loucura que, de tão mansa, já é desprovida de angústia ou espera. Quando você diz que entende de alguma forma, mesmo que minta, mesmo que me engane, mesmo que se engane... me alivia. Segundos de alívio numa vida inteira de ânsias frágeis e procuras tenazes. Parece pouco, mas às vezes me contento com esmolas do tempo e da vida e, amiga, me contentar é negar a minha fixação pelo excesso, pelo todo, pelo mais, pelo total. Negar é suicídio, negar é blasfêmia, negar é me condenar em vida ao fogo perpétuo dos infernos explorados diariamente. Eu sou puro sim, eu sou braços constantemente abertos para encontros e adeuses.
Me perdi, amiga. Me desculpe. Você ainda me lê? Sou tediosa, fato, e você tão diplomática e amorosamente finge não notar o quão egocêntrica sou. A amizade, como todos os poucos sentimentos nobres que eu conheço, faz milagres reais e táteis, me permite persistir numa jornada sem fim explícito, repleta de tantos clichês e bordões. Calor humano, sente? É isso que me mantem, viva, reconstruindo impérios sobre o vitral quebrado dos meus sonhos
Palavrear, amiga, palavra e ar.

domingo, 29 de março de 2009


Dezenove horas e quarenta e oito minutos.
Não há sol, nem estrelas quaisquer. A lua se afasta do meu campo de visão. Nuvens e mais nuvens embranquecem o céu dos meus devaneios inférteis. O mar avança e cerimonialmente banha meus pés calejados.
À minha esquerda, vazio. À minha direita, solidão. À minha frente oceanos me expõem à amplidão da minha insignificância diante de mim mesma e perante o universo.
Salgo meu rosto, rememoro ilusões cambaias, desperto meus mortos e suas amarguras, me enterro mais e mais. Impregnada de maresia e torpor, à procura de aconchego na areia ainda morna que acolhe maternalmente a frieza que ronda minhas derrotas.
Areia, areia, areia. Macia e úmida areia. Reporto-me a um passado adormecido, reparto-me diante um futuro insone.
Fragmentada sobre tantos pequenos grãos, choro, mas já não sinto dor. Não há mais fracassos. Não há motivo para luto.
Visto branco. A transparência da roupa que cobre minha carne jovem e firme reflete a verdade que eu já não escondo em meu espírito.
Finalmente, livre. Livre de mim mesma.
Minhas escolhas nunca fizeram sentido. Desprovida de razão que sou, sentir era a única rota que levava meus rios a lançarem suas águas no mar. Já não sinto vontade de aprisionar num cárcere de farsas meu arsenal de fraquezas impunes.
Finalmente, livre. Livre de mim mesma.
Que viessem todas as tempestades, que me torturassem todos os açoites do mar, que eu morresse afogada em meu próprio pranto agridoce. Não lamentava mais nada.
Morreria, morreria sim, como já morri centenas de milhares de vezes num só segundo. Morreria embalada pela cantiga de ninar silenciosa que as marolas trazem e levam nessa noite quente.
Tão fluida é a minha existência que meu renascimento se mistura à salinidade do mar revolto. Numa simbiose breve, intensa, eterna. Sereia sem encantos, sigo desejando, me consumo, não me contenho, nem me contento. Acolho em mim todas as futuras ressacas e os maremotos incompreendidos.
As minhas desgraças, as minhas glórias, quem pode julgá-las?


quarta-feira, 25 de março de 2009


Frozen
Within Temptation

Congelada


Eu não consigo sentir meus sentidos
Eu apenas sinto o frio
Todas as cores parecem desaparecer
Eu não consigo alcançar minha alma
Eu iria parar de correr
Se eu soubesse que havia uma chance
Me machuca ter que sacrificar tudo
Mas eu sou forçada a desistir
Diga-me que estou congelada
O que eu posso fazer?
Não sei dizer as razões
Eu fiz isso por você!
Bem, eu ainda preciso tentar
Eu sacrifico por você
Você diz que eu estou congelada
O que eu posso fazer?!
Eu posso sentir sua tristeza
Você não me perdoará
Mas eu sei que você ficará bem
Me machuca que você nunca saiba
Mas eu tenho que desistir
Tudo irá embora
Pedaços destroçados ficarão
Quando lembranças desaparecem no vazio
Apenas o tempo dirá
Se tudo foi em vão
não consigo sentir meus sentidos
Eu apenas sinto o frio

sábado, 21 de março de 2009


Ser livre pesa.
Peso rançoso da angústia indefinível de diariamente ter que reinventar ilusões e narrá-las para mim mesma.
Olho pros lados, além de calhamaços de papéis em desalinho e levas de palavras flutuantes, nada me faz companhia. Nada nunca me acompanha. Meu é ritmo é lento e as melodias que compus mentalmente estão fora de moda.
Nasci com atraso de algumas décadas e milênios se passam diante dos meus olhos cansados de tanta mesmice. Quero transcender essa esfera sufocante e transferir minhas inquietações para um mundo próprio, onde eu não seja inquilina de uma racionalidade que não me convém.
Eu escolho caminhos longos e eles não me levam ao que você espera de mim.
Não, não me espere. Não criarei atalhos, não busco pela sua satisfação óbvia.
Tento focar num ponto menos vago desse trêmulo horizonte que instintivamente escolhi pra ser meu.
Para que me perder mais e mais ao tentar definir o vazio que me preenche?

Gosto dele, sem ao menos saber se algum dia ele gostou de estar em mim.

Sim, permaneço insistindo nessa verbalização do nada por ter sido essa a única forma de agradecer humildemente pela companhia que ele me faz.
Acompanhar-me, suportar minha ânsia de auroras e crepúsculos.

Abrigo em mim tanta gratidão e carinho que os distribuo em sorrisos lacrimais que dedico à estranhos nas ruas, às flores murchas nos jardins, às folhas amareladas pelo outono que amorna minha alma aflita.
Aos tropeços, descaminhos e atalhos... que eu ande, ande e ande. Aconchegando uma dor que é só minha.
Todo sofrimento é vida embotada e eu aguardo meu desabrochar.

terça-feira, 17 de março de 2009


Agora você olha fixamente em meus olhos e emudece. Me encurrala consciente de que seus silêncios, sejam breves ou prolongados, me desnorteiam. Silencia enquanto procuro disfarçar minha necessidade urgente de improvisar palavras justapostas que rompam o eco dos desertos crescentes entre nós.


Os bolsos da sua habitual calça de estampa militar abrigam a insegurança trêmula das suas mãos frias e úmidas. Menos frias que as palavras que estão por vir e mais úmidas que essa noite quente e seca de verão.Eu, tão démodé, acendo mais um cigarro, incentivo um câncer futuro, misturo mágoas, lágrimas retidas e nicotina. Ao som piegas da fossa de Maysa eu te esclareço que sempre tive medo de conjugar a primeira pessoa do plural: Nós.


Repito. Tive medo de nós. Mais do que dele em si, eu lastimava previamente pelo seu fim, pelo nosso fim. E se acabasse? E se doesse? E se eu não suportasse? E se?
Eu tinha medo por mim. Carregava um cansaço doloroso e conveniente em ser o bordado mal acabado que precisava de suas mãos ágeis e firmes. Consciente da minha imperfeição me desfazia diante de seus dedos e posicionamentos rijos.


Sandices de filha única, você diria.
Eu, auto-indulgente, resumiria aleatoriamente como síndrome-da-reta-paralela: típico distúrbio mental que atinge aqueles que sabe que mesmo com bilhões de pessoas no mundo, trilhões de estrelas na galáxia e infinitas galáxias no universo, nasceram, se sentiram e morreram sós. Uma reta paralela, com começo incerto, sem fim previsível, sem pontos que a toquem, sem outras retas que cruzem seu triste traçado.


Não faz essa cara de riso e desdém. Você sempre soube do meu apreço pela solidão. Era vital para mim, era a liberdade no sentido mais abstrato e necessário à minha sobrevivência. Era fatal para você, era nutrir distanciamento, era fragilizar seu domínio, era cuspir na sua indiferença.
Esqueci que você não entende de psicologia, nem astrologia, nem nenhuma especialidade que fuja de sua lógica cartesiana ultrapassada há anos-luz pelos filósofos e qualquer ser pensante que habite a pós-modernidade.


Sua lógica é seu castelo impenetrável de mármore, sua fortaleza duvidosa, seu mausoléu.
Minha incerteza é meu brasão, minha honra e minha vida.


Me perdoe por ter feito de você meu depósito de necessidades urgentes e contraditórias. Isso nunca foi amor. Amor cresce de dentro e cresce e cresce e cresce. Nunca poda as flores e ramagens do jardim alheio.


Não vou permitir que você mate em mim o que me resta de mim mesma. Sou redundante e fraca, mas é com minhas mãos vacilantes que quero construir sobre as ruínas do seu mausoléu racional de mármore o meu casebre de cristais, poemas e flores.

domingo, 8 de fevereiro de 2009


Avassaladora
Gonzaguinha

Avassaladora
senta no seu colo
lambe o pescoço
morde a orelha
enfia a língua
por entre seus dentes
tomando toda a sua boca
Ela é louca !
Muito louca e ele adora sua mão
apertando o que deseja
com calor e com carinho
ensinando o caminho
da loucura
e acabando com
seu medo de não poder
E o macho se solta
se larga, se acaba na
mão da rainha
com todo prazer.
E o macho desmonta
no grito de gozo
na mão da rainha
e desmaia

http://www.youtube.com/watch?v=yITF4L-KnRM

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009


Tantas minúcias impregnadas nas paredes branco-gelo que alvejam o amargor dos meus desafetos. Denúncias, súplicas, perdões e lamúrias. Olhos mansos, cansaços, impérios ruindo. Meu amor próprio esparramado entre lençóis sujos exalando esse odor de amor putrefado. Covardias, falso altruísmo, paixões inertes, fugas inúteis. Eu anseio, eu desejo, quero e ambiciono tudo que vibra.
Ter tudo que pulsa, esse é meu horizante, meu caminho. Abraçar a solidão que preenche os espaços perpétuos e ocos entre você (ser que redescubro) e eu (ser que desconheço).
Não me conformo, mas assumo, sem maiores cenas e com total ausência de platéias ou aplausos, que esse desespero árido e sedento é meu único destino imutável. O destino que tracei rasgando as linhas da palma das minhas mãos e regando à sangue e fervor o que resta de esperança.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009


Entre as lacunas dos sonhos também há vida que pulsa em desordem. Embalo melodias e borrifo palavras sutis à meia voz. Abro gavetas, inspiro ares empoeirados, recordo, morro e ressuscito. Mais do que pelas cores, sempre me apaixono pelos borrões e por cada um dos seus defeitos, cada uma das suas minúsculas falhas, pelo seu inverossímil realismo inofensivo.Cito poetas mortos enquanto vivo trocando os passos em calçadas úmidas nas madrugadas turvas. Raios e trovões que me acompanhem porque a mim bastam minhas próprias tempestades.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009


Cuidadosamente retirou a poeira das mágoas retidas em seu amontoado de lembranças não-perecíveis. Permaneceu ali, encarando seu vulto fosco refletido no espelho da penteadeira antiqüíssima. Naquele momento sua mudez era seu manifesto maior. Seu silêncio ecoava na mais imaculada dor, a dor do luto. Sophia não saberia dizer quando seu luto havia começado, desconhecia há quanto tempo havia se dado a morte. A sua própria morte.Quando os sonhos morrem, somos esquartejados em vida e o sangue brevemente coagulado das ilusões inúteis encharca o solo fértil do porvir.


Sophia estava em carne viva, sabia que naquele instante o adeus seria seu único álibi, seu suspiro derradeiro. Como um ponto final num livro de 600 páginas. Ela renasceria num mosaico de tons vibrantes. Suas palavras ecoam num vasto salão emudecido, num altar sem preces, num enterro sem lágrimas. Questionava se seu silêncio pálido e a incoerência de seus raros gestos bruscos não seriam o substrato do que há de mais sensato em si. Para. Há borboletas. Borboletas verdes, verde-esperança, ainda vagueiam desnorteadas, colorindo a paisagem cinza-chumbo de mais um dia nublado em que suas lágrimas iníteis nutrem o sólido infértil onde tantos sonhos se decompõem. Pousa, pousa em ser dedo. Morrerá. Morreremos todos nós. Todos os nós. Desata. Rompe correntes.


Chora e forja sua auto-alforria.Toda liberdade é vã.