segunda-feira, 26 de janeiro de 2009


Entre as lacunas dos sonhos também há vida que pulsa em desordem. Embalo melodias e borrifo palavras sutis à meia voz. Abro gavetas, inspiro ares empoeirados, recordo, morro e ressuscito. Mais do que pelas cores, sempre me apaixono pelos borrões e por cada um dos seus defeitos, cada uma das suas minúsculas falhas, pelo seu inverossímil realismo inofensivo.Cito poetas mortos enquanto vivo trocando os passos em calçadas úmidas nas madrugadas turvas. Raios e trovões que me acompanhem porque a mim bastam minhas próprias tempestades.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009


Cuidadosamente retirou a poeira das mágoas retidas em seu amontoado de lembranças não-perecíveis. Permaneceu ali, encarando seu vulto fosco refletido no espelho da penteadeira antiqüíssima. Naquele momento sua mudez era seu manifesto maior. Seu silêncio ecoava na mais imaculada dor, a dor do luto. Sophia não saberia dizer quando seu luto havia começado, desconhecia há quanto tempo havia se dado a morte. A sua própria morte.Quando os sonhos morrem, somos esquartejados em vida e o sangue brevemente coagulado das ilusões inúteis encharca o solo fértil do porvir.


Sophia estava em carne viva, sabia que naquele instante o adeus seria seu único álibi, seu suspiro derradeiro. Como um ponto final num livro de 600 páginas. Ela renasceria num mosaico de tons vibrantes. Suas palavras ecoam num vasto salão emudecido, num altar sem preces, num enterro sem lágrimas. Questionava se seu silêncio pálido e a incoerência de seus raros gestos bruscos não seriam o substrato do que há de mais sensato em si. Para. Há borboletas. Borboletas verdes, verde-esperança, ainda vagueiam desnorteadas, colorindo a paisagem cinza-chumbo de mais um dia nublado em que suas lágrimas iníteis nutrem o sólido infértil onde tantos sonhos se decompõem. Pousa, pousa em ser dedo. Morrerá. Morreremos todos nós. Todos os nós. Desata. Rompe correntes.


Chora e forja sua auto-alforria.Toda liberdade é vã.