domingo, 29 de março de 2009


Dezenove horas e quarenta e oito minutos.
Não há sol, nem estrelas quaisquer. A lua se afasta do meu campo de visão. Nuvens e mais nuvens embranquecem o céu dos meus devaneios inférteis. O mar avança e cerimonialmente banha meus pés calejados.
À minha esquerda, vazio. À minha direita, solidão. À minha frente oceanos me expõem à amplidão da minha insignificância diante de mim mesma e perante o universo.
Salgo meu rosto, rememoro ilusões cambaias, desperto meus mortos e suas amarguras, me enterro mais e mais. Impregnada de maresia e torpor, à procura de aconchego na areia ainda morna que acolhe maternalmente a frieza que ronda minhas derrotas.
Areia, areia, areia. Macia e úmida areia. Reporto-me a um passado adormecido, reparto-me diante um futuro insone.
Fragmentada sobre tantos pequenos grãos, choro, mas já não sinto dor. Não há mais fracassos. Não há motivo para luto.
Visto branco. A transparência da roupa que cobre minha carne jovem e firme reflete a verdade que eu já não escondo em meu espírito.
Finalmente, livre. Livre de mim mesma.
Minhas escolhas nunca fizeram sentido. Desprovida de razão que sou, sentir era a única rota que levava meus rios a lançarem suas águas no mar. Já não sinto vontade de aprisionar num cárcere de farsas meu arsenal de fraquezas impunes.
Finalmente, livre. Livre de mim mesma.
Que viessem todas as tempestades, que me torturassem todos os açoites do mar, que eu morresse afogada em meu próprio pranto agridoce. Não lamentava mais nada.
Morreria, morreria sim, como já morri centenas de milhares de vezes num só segundo. Morreria embalada pela cantiga de ninar silenciosa que as marolas trazem e levam nessa noite quente.
Tão fluida é a minha existência que meu renascimento se mistura à salinidade do mar revolto. Numa simbiose breve, intensa, eterna. Sereia sem encantos, sigo desejando, me consumo, não me contenho, nem me contento. Acolho em mim todas as futuras ressacas e os maremotos incompreendidos.
As minhas desgraças, as minhas glórias, quem pode julgá-las?


quarta-feira, 25 de março de 2009


Frozen
Within Temptation

Congelada


Eu não consigo sentir meus sentidos
Eu apenas sinto o frio
Todas as cores parecem desaparecer
Eu não consigo alcançar minha alma
Eu iria parar de correr
Se eu soubesse que havia uma chance
Me machuca ter que sacrificar tudo
Mas eu sou forçada a desistir
Diga-me que estou congelada
O que eu posso fazer?
Não sei dizer as razões
Eu fiz isso por você!
Bem, eu ainda preciso tentar
Eu sacrifico por você
Você diz que eu estou congelada
O que eu posso fazer?!
Eu posso sentir sua tristeza
Você não me perdoará
Mas eu sei que você ficará bem
Me machuca que você nunca saiba
Mas eu tenho que desistir
Tudo irá embora
Pedaços destroçados ficarão
Quando lembranças desaparecem no vazio
Apenas o tempo dirá
Se tudo foi em vão
não consigo sentir meus sentidos
Eu apenas sinto o frio

sábado, 21 de março de 2009


Ser livre pesa.
Peso rançoso da angústia indefinível de diariamente ter que reinventar ilusões e narrá-las para mim mesma.
Olho pros lados, além de calhamaços de papéis em desalinho e levas de palavras flutuantes, nada me faz companhia. Nada nunca me acompanha. Meu é ritmo é lento e as melodias que compus mentalmente estão fora de moda.
Nasci com atraso de algumas décadas e milênios se passam diante dos meus olhos cansados de tanta mesmice. Quero transcender essa esfera sufocante e transferir minhas inquietações para um mundo próprio, onde eu não seja inquilina de uma racionalidade que não me convém.
Eu escolho caminhos longos e eles não me levam ao que você espera de mim.
Não, não me espere. Não criarei atalhos, não busco pela sua satisfação óbvia.
Tento focar num ponto menos vago desse trêmulo horizonte que instintivamente escolhi pra ser meu.
Para que me perder mais e mais ao tentar definir o vazio que me preenche?

Gosto dele, sem ao menos saber se algum dia ele gostou de estar em mim.

Sim, permaneço insistindo nessa verbalização do nada por ter sido essa a única forma de agradecer humildemente pela companhia que ele me faz.
Acompanhar-me, suportar minha ânsia de auroras e crepúsculos.

Abrigo em mim tanta gratidão e carinho que os distribuo em sorrisos lacrimais que dedico à estranhos nas ruas, às flores murchas nos jardins, às folhas amareladas pelo outono que amorna minha alma aflita.
Aos tropeços, descaminhos e atalhos... que eu ande, ande e ande. Aconchegando uma dor que é só minha.
Todo sofrimento é vida embotada e eu aguardo meu desabrochar.

terça-feira, 17 de março de 2009


Agora você olha fixamente em meus olhos e emudece. Me encurrala consciente de que seus silêncios, sejam breves ou prolongados, me desnorteiam. Silencia enquanto procuro disfarçar minha necessidade urgente de improvisar palavras justapostas que rompam o eco dos desertos crescentes entre nós.


Os bolsos da sua habitual calça de estampa militar abrigam a insegurança trêmula das suas mãos frias e úmidas. Menos frias que as palavras que estão por vir e mais úmidas que essa noite quente e seca de verão.Eu, tão démodé, acendo mais um cigarro, incentivo um câncer futuro, misturo mágoas, lágrimas retidas e nicotina. Ao som piegas da fossa de Maysa eu te esclareço que sempre tive medo de conjugar a primeira pessoa do plural: Nós.


Repito. Tive medo de nós. Mais do que dele em si, eu lastimava previamente pelo seu fim, pelo nosso fim. E se acabasse? E se doesse? E se eu não suportasse? E se?
Eu tinha medo por mim. Carregava um cansaço doloroso e conveniente em ser o bordado mal acabado que precisava de suas mãos ágeis e firmes. Consciente da minha imperfeição me desfazia diante de seus dedos e posicionamentos rijos.


Sandices de filha única, você diria.
Eu, auto-indulgente, resumiria aleatoriamente como síndrome-da-reta-paralela: típico distúrbio mental que atinge aqueles que sabe que mesmo com bilhões de pessoas no mundo, trilhões de estrelas na galáxia e infinitas galáxias no universo, nasceram, se sentiram e morreram sós. Uma reta paralela, com começo incerto, sem fim previsível, sem pontos que a toquem, sem outras retas que cruzem seu triste traçado.


Não faz essa cara de riso e desdém. Você sempre soube do meu apreço pela solidão. Era vital para mim, era a liberdade no sentido mais abstrato e necessário à minha sobrevivência. Era fatal para você, era nutrir distanciamento, era fragilizar seu domínio, era cuspir na sua indiferença.
Esqueci que você não entende de psicologia, nem astrologia, nem nenhuma especialidade que fuja de sua lógica cartesiana ultrapassada há anos-luz pelos filósofos e qualquer ser pensante que habite a pós-modernidade.


Sua lógica é seu castelo impenetrável de mármore, sua fortaleza duvidosa, seu mausoléu.
Minha incerteza é meu brasão, minha honra e minha vida.


Me perdoe por ter feito de você meu depósito de necessidades urgentes e contraditórias. Isso nunca foi amor. Amor cresce de dentro e cresce e cresce e cresce. Nunca poda as flores e ramagens do jardim alheio.


Não vou permitir que você mate em mim o que me resta de mim mesma. Sou redundante e fraca, mas é com minhas mãos vacilantes que quero construir sobre as ruínas do seu mausoléu racional de mármore o meu casebre de cristais, poemas e flores.