segunda-feira, 13 de abril de 2009


Para amiga, confidente, insana e amada Viviane.



Ecce Homo
Sim, eu sei de onde venho!
Insatisfeito como o fogo
Ardo para me consumir.
Aquilo em que toco torna-se flama,
Em carvão aquilo que abandono:
Sou fogo, com certeza.
Friedrich Nietzsche



Amiga, estou estranha (você disse isso ontem, eu digo isso hoje. Repetiremos isso em quantos amanhãs? Até onde suportar a eternidade?).
Só escrevo, escrevo, escrevo e quando releio o que escrevi nada mais faz sentido, nem se ajusta, desmorona (o tudo que me consome ou o nada que não me consola. Não sei também. Ambos, creio eu) diante dos meus olhos, por entre meus dedos tortos.
Como se minha vida fosse um sempre e um talvez constantes, ilimitados, irreversíveis e, acima de tudo, em uma fuga ininterrupta de mim mesma, da minha própria compreensão. Como algo tão meu pode me ser tão alheio? Onde teve início minha segregação com minhas nuances sombrias?
Entende?
Diga que sim, amiga, que consegue apreender um pouco da minha loucura que, de tão mansa, já é desprovida de angústia ou espera. Quando você diz que entende de alguma forma, mesmo que minta, mesmo que me engane, mesmo que se engane... me alivia. Segundos de alívio numa vida inteira de ânsias frágeis e procuras tenazes. Parece pouco, mas às vezes me contento com esmolas do tempo e da vida e, amiga, me contentar é negar a minha fixação pelo excesso, pelo todo, pelo mais, pelo total. Negar é suicídio, negar é blasfêmia, negar é me condenar em vida ao fogo perpétuo dos infernos explorados diariamente. Eu sou puro sim, eu sou braços constantemente abertos para encontros e adeuses.
Me perdi, amiga. Me desculpe. Você ainda me lê? Sou tediosa, fato, e você tão diplomática e amorosamente finge não notar o quão egocêntrica sou. A amizade, como todos os poucos sentimentos nobres que eu conheço, faz milagres reais e táteis, me permite persistir numa jornada sem fim explícito, repleta de tantos clichês e bordões. Calor humano, sente? É isso que me mantem, viva, reconstruindo impérios sobre o vitral quebrado dos meus sonhos
Palavrear, amiga, palavra e ar.