quinta-feira, 28 de maio de 2009

Solstícios, bromélias e acenos



“Dura rosa de madeira que sou mas para me purificar há
o pungente miosótis chamado urgentement
e mas delicadamente de não-te-esqueças-de-mim.”
Clarice Lispector


Nos meus olhos não há súplicas. Não existem motivos para esperas.
Palavras tontas e aleatórias percorrem os caminhos disformes e abismos intransponíveis que separam nossos corpos e, como por mistério dos deuses que sequer venero, vedam nossa essência sedenta de dramas tenazes, espaços vãos, cânticos nefandos e recomeços.
Nenhum tempo foi perdido. Nenhuma dor é inválida.
Entre a penumbra do meu silêncio covarde e o reflexo das armaduras de vidro cortante que envolvem suas frases bem colocadas, há uma matéria imutável: nós. Matéria fluída e ferina, imensa, inominável. Ousar defini-la seria negar sua transitoriedade, blasfemar e sacrilejar o que há de mais puro em mim.
Eu permaneço à beira-mar, numa calmaria vespertina, de braços estendidos e firmes na certeza dos abraços, serenos e sem fim, reservados num porvir cada vez mais breve.
Sabendo que os erros do presente são o limiar de um futuro verde-broto sem fim, não me apodero de metáforas, quero palavras e sensações literais.
Possuir é perder-se do outro, desejar é tê-lo eternamente em mim, para mim.


sexta-feira, 15 de maio de 2009

Entre Vênus e Netuno


Ela era de libra, era balança universal, clamava por beleza, exaltava brevidades, conflitos, mortes, ressurreições.

Envolta de libidinosas e complexas obviedades, ela te diria, cordial e mansa: ‘Cuidado, meu bem, minha trama é indecifrável e a mim mesma confunde. Cautela, querido, ao pisar na minha estrada, ela é a teia da viúva negra que te alimenta, afaga e devora.’Olhares frios e fáceis já não a encurralavam.

Detestava reticências, continuidades furtivas, distanciamentos. Raivosas tempestades a ela pareciam sopros mornos e tediosos de um rei solitário em seu leito de morte.

Era iluminada por Santa Bárbara, era guiada pela senhora dos ventos e trovões, e nada impediria seu violento rio de lágrimas salubres de desaguar no mar da vitória.

Poucos, raros eram os capazes de não querê-la perto de si. Ela, que já estava amaciada pelas reincidentes quedas e fortalecida pela crença em si própria, não desejava ser problema nem solução. Almejava ser ela mesma, provocação mutante, grandiosa.

Compreendê-la era desafio constante e muitos, quiçá quase todos, eram incapazes de sentir, de enveredar por caminhos além-razão, ultrapassar sofismas inúteis e respeitar o fato do céu a que ela venerava não ser igual ao dos demais.

Tantos foram os tolos que apenas a julgaram e sentenciaram-na incontáveis vezes ao fogo perpétuo da intriga soez e da inveja voraz.

Ela nunca foi vítima, desistiu de ser algoz. Ela apenas caminhava.

Acostumou-se a sobreviver sem suas antigas munições e apetrechos decrépitos. Não necessitava mais de indulgência, abandonara a aldeia da insegurança e construíra um império internamente forte, sendo desnecessárias muralhas ou agressões. Sua honra era não mais viver na defensiva. Ofender perdeu o sentido, atacar resignificou-se. Ela apenas caminhava.

Quantos saberiam como sobreviveu aos longos e consecutivos segundos acumulados a que ela chamava de vida? Quantos jamais compreenderiam como seus pés exaustos suportaram sangrando as longas cruzadas profanas em que se envolveu?

Como absorver a essência de alguém que, como ela, cambaleou na corda trêmula entre razões vazias, pré-julgamentos e emoções avassaladoras, sem se embriagar?

Carregava seus muitos balangandãs e explicitava seu gosto pela grandeza. Não a grandeza de objetos apenas, nem tão somente gestos ou palavras ditas solenemente, mas o excesso de alma. Era amante do exagero sensível. Queria o muito, mas acima dele estava a verdade, a sua verdade extrema, quente, sentimental.

Em seu passado ficaram os pudores, a renúncia, a culpa. Seu presente era imponente, era ardência sem proporção, era universo sem fim... Não adiantava tentar apreendê-lo, estigmatizá-lo. Sua estória era atemporal, reciclável, tórrida, ilimitada.