
Ela era de libra, era balança universal, clamava por beleza, exaltava brevidades, conflitos, mortes, ressurreições.
Envolta de libidinosas e complexas obviedades, ela te diria, cordial e mansa: ‘Cuidado, meu bem, minha trama é indecifrável e a mim mesma confunde. Cautela, querido, ao pisar na minha estrada, ela é a teia da viúva negra que te alimenta, afaga e devora.’Olhares frios e fáceis já não a encurralavam.
Detestava reticências, continuidades furtivas, distanciamentos. Raivosas tempestades a ela pareciam sopros mornos e tediosos de um rei solitário em seu leito de morte.
Era iluminada por Santa Bárbara, era guiada pela senhora dos ventos e trovões, e nada impediria seu violento rio de lágrimas salubres de desaguar no mar da vitória.
Poucos, raros eram os capazes de não querê-la perto de si. Ela, que já estava amaciada pelas reincidentes quedas e fortalecida pela crença em si própria, não desejava ser problema nem solução. Almejava ser ela mesma, provocação mutante, grandiosa.
Compreendê-la era desafio constante e muitos, quiçá quase todos, eram incapazes de sentir, de enveredar por caminhos além-razão, ultrapassar sofismas inúteis e respeitar o fato do céu a que ela venerava não ser igual ao dos demais.
Tantos foram os tolos que apenas a julgaram e sentenciaram-na incontáveis vezes ao fogo perpétuo da intriga soez e da inveja voraz.
Ela nunca foi vítima, desistiu de ser algoz. Ela apenas caminhava.
Acostumou-se a sobreviver sem suas antigas munições e apetrechos decrépitos. Não necessitava mais de indulgência, abandonara a aldeia da insegurança e construíra um império internamente forte, sendo desnecessárias muralhas ou agressões. Sua honra era não mais viver na defensiva. Ofender perdeu o sentido, atacar resignificou-se. Ela apenas caminhava.
Quantos saberiam como sobreviveu aos longos e consecutivos segundos acumulados a que ela chamava de vida? Quantos jamais compreenderiam como seus pés exaustos suportaram sangrando as longas cruzadas profanas em que se envolveu?
Como absorver a essência de alguém que, como ela, cambaleou na corda trêmula entre razões vazias, pré-julgamentos e emoções avassaladoras, sem se embriagar?
Carregava seus muitos balangandãs e explicitava seu gosto pela grandeza. Não a grandeza de objetos apenas, nem tão somente gestos ou palavras ditas solenemente, mas o excesso de alma. Era amante do exagero sensível. Queria o muito, mas acima dele estava a verdade, a sua verdade extrema, quente, sentimental.
Em seu passado ficaram os pudores, a renúncia, a culpa. Seu presente era imponente, era ardência sem proporção, era universo sem fim... Não adiantava tentar apreendê-lo, estigmatizá-lo. Sua estória era atemporal, reciclável, tórrida, ilimitada.