terça-feira, 17 de março de 2009


Agora você olha fixamente em meus olhos e emudece. Me encurrala consciente de que seus silêncios, sejam breves ou prolongados, me desnorteiam. Silencia enquanto procuro disfarçar minha necessidade urgente de improvisar palavras justapostas que rompam o eco dos desertos crescentes entre nós.


Os bolsos da sua habitual calça de estampa militar abrigam a insegurança trêmula das suas mãos frias e úmidas. Menos frias que as palavras que estão por vir e mais úmidas que essa noite quente e seca de verão.Eu, tão démodé, acendo mais um cigarro, incentivo um câncer futuro, misturo mágoas, lágrimas retidas e nicotina. Ao som piegas da fossa de Maysa eu te esclareço que sempre tive medo de conjugar a primeira pessoa do plural: Nós.


Repito. Tive medo de nós. Mais do que dele em si, eu lastimava previamente pelo seu fim, pelo nosso fim. E se acabasse? E se doesse? E se eu não suportasse? E se?
Eu tinha medo por mim. Carregava um cansaço doloroso e conveniente em ser o bordado mal acabado que precisava de suas mãos ágeis e firmes. Consciente da minha imperfeição me desfazia diante de seus dedos e posicionamentos rijos.


Sandices de filha única, você diria.
Eu, auto-indulgente, resumiria aleatoriamente como síndrome-da-reta-paralela: típico distúrbio mental que atinge aqueles que sabe que mesmo com bilhões de pessoas no mundo, trilhões de estrelas na galáxia e infinitas galáxias no universo, nasceram, se sentiram e morreram sós. Uma reta paralela, com começo incerto, sem fim previsível, sem pontos que a toquem, sem outras retas que cruzem seu triste traçado.


Não faz essa cara de riso e desdém. Você sempre soube do meu apreço pela solidão. Era vital para mim, era a liberdade no sentido mais abstrato e necessário à minha sobrevivência. Era fatal para você, era nutrir distanciamento, era fragilizar seu domínio, era cuspir na sua indiferença.
Esqueci que você não entende de psicologia, nem astrologia, nem nenhuma especialidade que fuja de sua lógica cartesiana ultrapassada há anos-luz pelos filósofos e qualquer ser pensante que habite a pós-modernidade.


Sua lógica é seu castelo impenetrável de mármore, sua fortaleza duvidosa, seu mausoléu.
Minha incerteza é meu brasão, minha honra e minha vida.


Me perdoe por ter feito de você meu depósito de necessidades urgentes e contraditórias. Isso nunca foi amor. Amor cresce de dentro e cresce e cresce e cresce. Nunca poda as flores e ramagens do jardim alheio.


Não vou permitir que você mate em mim o que me resta de mim mesma. Sou redundante e fraca, mas é com minhas mãos vacilantes que quero construir sobre as ruínas do seu mausoléu racional de mármore o meu casebre de cristais, poemas e flores.

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